Lançamento: “A Trama do Mundo” – uma conversa sobre histórias, dentro e fora da cultura pop.

09/29/2025

Depois de meses de preparação, o dia enfim chegou!

Na última quarta-feira, na livraria Bibla em São Paulo, participei do lançamento de meu romance, A Trama do Mundo. 

O evento contou com uma sessão de autógrafos, mas também um bate-papo superinteressante com a Alessandra Effori, uma das sócias da Bibla. Ao longo de pouco menos de uma hora, tive a oportunidade de discutir alguns temas importantes do livro, meu processo criativo, bem como receber perguntas do público.

Para aqueles de vocês que não puderem estar lá, preparei uma “retrospectiva” do papo que rolou.

1) São histórias que dão sentido à Trama do Mundo.

Nossa individualidade é uma ilusão.  Como a ecologia nos ensina, estamos todos conectados. E ninguém realmente é dono do próprio nariz quando cada experiência que vivemos sacode com o movimento de outras pessoas, animais, coisas, forças cósmicas.

Uma das poucas coisas que a humanidade aprendeu a fazer para se livrar dessa agonia é contar histórias. Não, necessariamente, porque elas trarão soluções ou receitas de como agir. Mas porque aquilo que é ininteligível nem sempre é indizível. E mesmo o indizível, traduzido em metáforas, pode nos trazer um conforto para além da simples razão.

Muito do que chamamos de mitologia – as histórias de deuses, pactos ancestrais e mortais caprichosos – são, no fundo, variações destas metáforas. Tentativas de dar sentido ao caos, nem que apenas no conforto de uma página ou no entorno de uma fogueira.

A Trama do Mundo é um livro sobre esse processo de significação.

Isso não significa que toda história, necessariamente, seja boa. Nem que mitos, na sanha de explicar o mundo, não possam nos levar a entendê-lo menos ainda. Algumas certezas são piores que a ignorância.

— Saber que, de todas as narrativas que poderíamos ter seguido, escolhemos justo aquela que nos leva a um precipício… É algo assustador de se pensar. É tão ruim quanto morrer. Pior que morrer, na verdade, pois tira o sentido da nossa própria morte. “Longo demais um sacrifício faz uma pedra do coração.” (trecho do livro)

Seja como for, a mensagem de A Trama do Mundo é que não há escapatória às histórias. Independente de que narrativas contemos, e de que verdades tiramos dela, há coisas que só se resolvem em colóquios: sentando-nos juntos e trocando nossas histórias.

2) Todos nós usamos máscaras. E quanto mais dispostos a admitir isto, menos seremos controlados por elas.

A gente depende de expressões pra se comunicar, certo? E de roupas, penteados, piercings, tatuagens, camisetas, hashtags. São coisas que vestimos pros outros e que usamos pra saber o que os outros pensam. Afinal, não somos telepatas. Cosplay é só uma versão exagerada disso. Agora imagina que ele não tivesse nada disso. Uma pessoa em estado bruto que não te passasse absolutamente nada. Não te parece assustador? (trecho do livro)

Como jogadores de certa franquia da Atlus bem sabem, “Pessoa” vem do latim persona, que significa máscara. Não é difícil entender o porquê. O próprio ato de viver em sociedade querer que encarnemos diversas personagens. Estes rostos que vestimos – para nossas famílias, clientes, parceiros etc – não são apenas ‘disfarces’. São, em conjunto, a medida de quem nós somos.

Da mesma maneira, há uma série de rituais sociais que nos incentivam a encarnar outras pessoas. Do carnaval ao mundo do cosplay, elas nos induzem a enxergar o mundo pelos olhos de alguém que nós somos. Quando a experiência é proveitosa, retornamos à nossa “máscara” original engrandecidos. 

Quando comecei a escrever A Trama do Mundo, dez anos atrás, tinha a esperança de que o mundo geek fosse um desses espaços. Era, pelo menos, a experiência que eu tinha como frequentador de convenções. E era, também, o sentimento de onde viera o cosplay. Como escrevi neste site muito tempo atrás, o hobby surgiu de bailes de máscara organizados em encontros de ficção científica na primeira metade do século passado.

Cosplayers na Worldcon de 1955.

Seja por maturidade, seja por mudanças estruturais na própria fibra da cultura pop, hoje não acho que as coisas sejam tão simples. Sim, ainda há espaço para experiências transformadoras na finis geekis. É possível abrir um mangá, terminar um jogo ou vestir um figurino e sair da experiência uma outra pessoa.

Mas essa experiência não acontece sozinha. E boa parte dos interesses que puxam as cordinhas da cultura pop – serviços de streamer, plataformas de conteúdo, organizadores de convenções – parecem nos guiar para o exato oposto: um consumismo incessante e compulsivo, em que estejamos tão ocupados acumulando créditos no MyAnimeList para sequer nos perguntar por que gostamos daquilo que gostamos. 

Nerds em convenção, num nível fundamental, eram todos iguais. Olhe para cada um e você veria a mesma paixão besta por piadas de internet, a propensão a entrar em filas gigantescas sem saber a que levavam, a fraqueza por colecionáveis como a de um sayajin por aqueles que agarram seu rabo; a mesma curiosidade com que buscavam um herói conhecido na camiseta alheia, um sorriso de cumplicidade em quem folheava sua HQ favorita, o fim de uma tatuagem que a roupa escondia, a Zona Proibida nas coxas de cosplayers; a barra de mana que não se esgotaria até que obtivessem o autógrafo do convidado especial, o erro crítico que lhes tirava um salário mínimo em troca de um set básico de Warhammer, a máscara que vestiam para fugir o mais longe possível do rosto impresso em seus RGs, com tinta e lentes de contato, roupas do gênero oposto e pele à mostra se preciso fosse. E a certeza, forte em uns, dissimulada em outros, que nada daquilo era um preço alto demais para comprar às suas vidas um módico de sentido. (trecho da obra)

3) “Mitos” não dizem respeito apenas a deuses. E não tem nada de antigos.

 Quando pensamos em mitologia, a primeira coisa que nos veem à mente costumam ser histórias de imortais, guerreiros antigos, forças mágicas. O tipo de coisa que lemos em epopeias clássicas, sagas nórdicas ou literatura bárdica irlandesa.

Isso tudo, de fato, é um tipo de mitologia. Mas está longe de ser a única.

Segundo uma definição, mitos nada mais são que histórias que se “descolaram” de seu contexto de origem e acabaram se naturalizando. De contos inventados para explicar problemas reais, em uma época e local muito específicos, eles passam a ser lidos como tradutores de uma verdade genérica.

Essas histórias não são necessariamente ruins. Afinal, como eu mesmo escrevi acima, nós precisamos de narrativas para tirar sentido do mundo que nos cerca.

Mas mitos podem nos convidar à passividade, criando o falso senso de que não podemos fazer nada para mudar o mundo, já que ele sempre foi deste jeito. 

Mitos inventados para dar sentido a uma grande tragédia podem ser distorcidos para a falsa verdade de que a violência é inevitável. 

Mitos que celebram o grande esforço de um indivíduo, conquistando sucesso com o suor da própria testa, podem ser generalizados para a ladainha de que o mérito é o único critério existente de ascensão social. 

Mitos usados para justificar hierarquias podem ser utilizados para impedir que sejam questionadas. 

Como escreveu Haruki Murakami, num trecho a que sempre retorno:

E você? (Estou usando a segunda pessoa, mas é claro que isso inclui a mim também). Você nunca ofereceu uma parte do seu Eu a alguém (ou alguma coisa) e recebeu em troca uma “narrativa”? Será que nunca confiamos alguma parte da nossa personalidade a algum grande Sistema ou Ordem? E, neste caso, será que este Sistema em algum ponto já não nos pediu alguma espécie de “insanidade”? Será que a narrativa que você possui é real e verdadeiramente sua? Será que seus sonhos são realmente os seus próprios sonhos? Ou será que são visões de outras pessoas que podem a qualquer instante se transformar em um pesadelo?

A cultura pop não é o único local em que essas narrativas-que-não-são-nossas são produzidas. Mas, como eu disse no lançamento, a natureza transformadora de vários de seus hobbies, com seu foco em recontagens, combinações, fanart, nostalgia, a tornam um terreno propício para que várias dessas histórias ganhem vida e se propaguem.

— Eu sei o que vestir essa armadura fez pra mim. Quando eu criei os Irmãos da Espada foi isso que eu quis ensinar pros outros. Quando você aprende que não é feito de vidro, você se torna forte de verdade. Não precisa se fazer de coitado. Não precisa acreditar que é um super-herói, nem se vingar dos outros por te levantarem um espelho. E eu me pergunto se ter um sujeito, uma… ideia rondando convenções não é uma resposta a isso. Não à gente, especificamente, mas a todo esse delírio coletivo — seus olhos brilhavam com uma esperança que beirava o receio. Nísia não soube dizer se tentava convencê-la ou convencer a si mesmo. — Nísia, e se a nerdice for uma doença, e o Homem Sem Máscara a cura? (trecho do livro).

Em A Trama do Mundo, O Homem Sem Máscara é uma lenda urbana que persegue aqueles que sofrem esse descolamento. Quando tomamos para nós uma história que não é nossa, de forma tão natural que nos esquecemos de onde ela veio, uma entidade nos visita para nos colocar na linha.

O Homem Sem Máscara não existe (pelo menos, não literalmente). Mas penso, sinceramente, que precisamos desse tipo de contraforça se quisermos continuar no controle das nossas histórias, não marionetes delas.

Tenho plena clareza de que, no mundo hegemônico da cultura pop, minha voz é minoritária. Ao escrever um romance sobre a capacidade da cultura pop de nos prover sentido, num cenário  em que ela lucra com o caos, tédio e vício, reconheço que estou sendo romântico.

Mas é um romantismo militante, não escapista. Sinto que precisamos, desesperadamente, recuperar nossa imaginação ficcional. Do contrário, perderemos muito mais que nossas economias ao torrar nosso dinheiro em convenções e afins.

Onde ler?

Você pode adquirir A Trama do Mundo clicando aqui.

Se você ler o livro e tiver pensamentos a respeito, por favor, me conte! 

E boa leitura!

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