Que o Japão é o país dos peixes todo mundo sabe. É preciso um amor particular pelos seres escamosos das profundezas para comê-los crus, das mais variadas formas.
A geografia explica. Como deveria ser o caso de toda ilha (estou olhando para você, Irlanda), sua gastronomia gira em torno daquilo que o mar lhe traz.
A diferença é que os japoneses, como sempre, levaram sua paixão a um outro patamar. Amantes de frutos do mar podem desfrutar desse fascínio em Tsukiji, o maior mercado de peixes do mundo.

Chuva nenhuma dissuade os fãs de peixe
Para paulistanos como eu, acostumados a comer peixes congelados vindos do Chile, a experiência é um passeio de outro mundo.
Se você é daqueles que já se retorce ao pensar em salmão ou atum crus, Tsukiji talvez pareça um delírio lovecraftiano. Já se você é bom de garfo e não se assusta com pouco, prepare o babador, pois terá a refeição de sua vida.
O mercado fica aberto das 5h às 11h da manhã, mas esteja avisado: se você quiser ver a grande atração, o leilão de atum, é bom estar disposto a madrugar. Os leilões são realizados assim que o mercado abre, e há restrição para o número de visitantes.
Se não está claro para você porque peixes precisam de um leilão, talvez seja útil colocar as coisas em perspectiva.
Embora nós, citadinos, estejamos acostumados a lembrar do atum como aquele peixe da latinha, ele é uma verdadeira vaca do mar. E digo isso literalmente: com mais de 2m de comprimento e pesando meia tonelada, ele é o mais próximo do nosso ruminante leiteiro que você encontrará no oceano.

Kiyoshi Kimura, dono da rede Sushi Zanmai, com um atum que faturou em Tsukiji. Fonte
Atuns são tão grandes, na verdade, que possuem cortes diferentes, tal como o porco ou o boi. Não é só frescura: cada parte possui seu próprio teor de gordura, consistência e sabor.
Em Tsukiji (e muitos bons restaurantes Japão afora) é possível pedir uma seleção de cortes e ver como a diferença é gritante. O chamado otoro (大とろ), corte mais gorduroso, é marmorizado como um bife wagyu – e de fato tem o gosto de um!

O super exclusivo otoro. Fonte
Seria possível passar a manhã degustando apenas peixes, mas acredite em mim: dificilmente acontecerá. Em Tsukiji, afinal, é quase impossível trafegar sem topar com esquisitices marinhas.
Donburi ou don é um prato muito popular no Japão, que basicamente consiste em uma porção de arroz com alguma coisa por cima.
A delícia acima é um donburi de três cortes de atum, salmão, peixe branco, camarão, enguia, ovas de salmão, ouriço do mar e flocos de caranguejo.
Não se deixe levar pelo preconceito: os bichos mais bizarros são justamente os melhores.
As ovas estouram e se misturam ao arroz à medida que você come, dando mais sabor para o teco final do prato. O ouriço do mar possui uma textura viscosa, que dá um belo contraste com os peixes e o camarão.
Já a enguia (a melhor de todas, na minha opinião), tem a aparência e consistência de uma sardinha, mas sem as espinhas e com um sabor bem menos agressivo. Geralmente é servida com um molho agridoce a base de shoyu, numa preparação chamada de kabayaki.

Donburi de unagi
Um cuidado com o vocabulário: a enguia acima é unagi (うなぎ), ou enguia de água doce. Já a do donburi é a anago (あなご ou 穴子), enguia de água salgada. É outro peixe, com um gosto diferente, um pouco mais adocicado.

Nigiri de anago, também chamada de conger eel em inglês
Se você não estiver disposto a encarar uma refeição inteira, é possível experimentar esquisitices em versões bite-size. Uma das minhas favoritas, sem sombra de dúvida, é o espeto de vieira com ouriço do mar.
Vieira é um molusco bem refinado (e, no Brasil, bem caro), com uma textura carnuda e saborosa. Já o ouriço, quando grelhado, derrete em uma espécie de creme, dando suculência ao prato.
Simplesmente imperdível.
Mas nem só de peixe vive Tsukiji. Suas lojas oferecem todo tipo de sobremesa, e são uma oportunidade de ouro para experimentar alguns doces exclusivos do Japão.
No meu caso, a escolha foi fácil. Depois de vê-lo tantas vezes em animes, estava louco de vontade de experimentar o taiyaki.
Trata-se de um bolinho em formato de peixe, tradicionalmente recheado com pasta de feijão azuki. O que provamos no dia, em adição ao feijão, vinha com pêssego compotado.
Não é lá uma combinação muito óbvia às minhas sensibilidades ocidentais. Em circunstâncias normais, adoraria dizer que foi a coisa mais bizarra que comi no dia. Depois da Festa de Babette que Tsukiji me serviu, contudo, acho que perdi esse direito.
Tudo por uma boa causa. Foi o melhor café da manhã que já provei.
E a enguia (suspiro) deixará saudades.
Uma Aventura no Japão continua segunda que vem. Fique de olho!
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